domingo, 14 de março de 2010

As "estórias" dos amigos

Por terras talvez nunca antes, caminhadas
Lá ia soldado jovem, de seus pais, amigos, talvez namorada...
... Muito querido
Atravessando matas, morros e picadas
Corpo cansado, saudoso, sem um gemido

Quando tenho algum tempo disponível dou uma olhadela aos blogues e acho que tem cabimento aqui algumas “estórias” mesmo que não tenha pertencido ao vosso Batalhão.
Ora, quando acabei o curso na Escola tive um ou dois "trabalhos", mas nada de especial, até que o serviço militar me bateu à porta e como era difícil escapar lá fui mobilizado para a guerra colonial " período não muito orgulhoso da nossa história". Depois de uma estadia em Mafra, Évora e Abrantes lá embarquei para Angola com destino a Nambuangongo, terra onde o Manuel Alegre escreveu " Nambuangongo, meu amor" tu não viste nada. O tempo lá foi passando, nessa zona de guerra aberta e então passado uns doze meses fomos para a zona Ucua/Quibaxe e quando estava já nos últimos seis meses de serviço cumprido e comprido e estando eu na Fazenda Santo António, tive a missão de me deslocar a Pango Aluquem (aldeia na região dos Dembos), num anoitecer bastante chuvoso, com o fim de ir buscar um remédio, para um soldado que se encontrava bastante doente. Para tudo ser mais rápido, apenas o soldado condutor o 711, um outro soldado o Nisa e eu, partimos para essa gincana com curvas, buracos e mais... Embora bons conhecedores do caminho que nos levaria à pequena aldeia onde havia um posto medico. A "picada", nome dado a essas pequenas vias de mau piso, mas que poderiam ter quilometras de extensão, estava em péssimas condições e a todo o momento o jeep poderia ficar "empanado", e foi isso que aconteceu. Mais ou menos a meio do caminho eu sabia que havia um cemitério do povo daquela área e vinha a pensar...e se o jeep. agora se despistasse aqui neste sitio!.? ainda o pensamento estava em minha mente e lá estava a viatura na valeta. Tentamos, tentamos por todos os meios possíveis trazer o jeep de volta à "picada" mas a missão tornou-se impossível. Eu como Furriel Milº encarregado da dita chuvosa e um tanto perigosa tarefa de trazer o mais rapidamente a tal medicina para o soldado que se encontrava enfermo, tive que decidir o que poderia ser feito. Disse ao condutor; a viatura não pode ficar abandonada, ficas aqui escondido, não na viatura; com a arma (uma G3) e eu vou com o Nisa à Sanzala pedir ajuda. Eu notei que a cara do condutor foi algo de descontentamento ou pavor, mas coitado por lá ficou. Eu e o outro soldado lá partimos para uma caminhada de uns dois quilómetros, umas vezes correndo, outras a passo apressado até que chegamos e ainda se viam umas ténue luzes em algumas das "cubatas", mas eu dirigi-me directamente aquela que era a do "Soba" (entidade máxima da sanzala) e lá lhe contei o sucedido a que ele se prontificou a dar ajuda e lá partimos, talvez uns dez, de volta ao local onde estava a viatura. Quando se estávamos a aproximar do cemitério apercebi-me que havia um pouco de nervosismo entre os "nativos" e perguntei o porquê, embora eu já soubesse a resposta pois comigo acontecia o mesmo ou era o respeito ou o medo do Além. Em poucos minutos o "nosso " jeep estava de volta na picada pronto a seguir em frente, só que todos quiseram ir de volta na viatura e com boa vontade e apreço lá fomos todos como sardinhas enlatadas sem tampa. Prometi que na próxima vez que por lá passasse levaria umas cervejas e assim aconteceu, 24 " CUCAS e 24 "NOCAL", Nota (a medicina que trouxemos para o soldado doente e não só... eram uns comprimidos L.M. (laboratorio militar), uns "QUININOS" e uma pomada. Coisas destas aconteceram, não só a mim, mas a muitos de nós jovens de vinte e poucos anos e atravessar matas, morros e picadas, talvez nunca antes caminhadas e agora quem somos? Quando olhamos os nossos filhos de quarenta e mais anos e alguns netos da mesma idade em que nos enviaram para longe, olhamos eles e ainda os vemos como crianças, os nossos meninos.

E nós?...

Joaquim Chaves
Canadá

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